Rafaela Lopes dos Santos Nunes, de 22 anos, é educadora social e diz que a maternidade é algo complexo, difícil de se definir.
Moradora do bairro de Parelheiros, no extremo sul da cidade de São Paulo, ela se tornou mãe aos 16 anos e, ainda gestante, começou a participar do projeto ‘Centro de Excelência em Primeira Infância’, do Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário (IBEAC), criado em 2016.
Ao entrar no projeto, ela começou a refletir mais sobre o que é a maternidade e como é importante não romantizá-la. “Se alguém fala ‘meus filhos são a razão da minha vida’, falta algo ali. Isso acontece porque a mãe só pensa em se dedicar ao outro, sem entender a sua própria essência. Ela sempre coloca as expectativas no filho”, afirma.
Por ter engravidado no Ensino Médio, Rafaela acreditava que já havia conquistado tudo o que queria na vida: casar-se, cuidar do filho e ser dona de casa. No entanto, no projeto ela descobriu que existem outras possibilidades e que é possível ir além.
Atualmente, ela enxerga que a maternidade se trata de viver a infância de uma outra perspectiva, mas que também deve ser encarada como uma atividade que envolve multitarefas.
“Muitas mães têm tripla jornada e não conseguem cuidar de si mesmas. Essa necessidade que a sociedade impõe de que as mulheres nasceram para ser mães acaba colocando as mulheres em caixinhas e não nos incentiva a viver o mundo de uma maneira completa”, relata.
Segundo ela, a maternidade deve ser encarada como uma escolha, mas nunca como a única opção. Por meio do projeto social, Rafaela aprendeu que a necessidade de ser mãe é colocada na mente das meninas desde a primeira infância.
Enquanto os meninos brincam de avião ou carrinho, as meninas brincam de boneca e de casinha. Uma simples brincadeira faz com que a prioridade dos homens na vida adulta seja arrumar um emprego e viajar o mundo, enquanto as mulheres devem cuidar da família.
É importante ressaltar que, em Parelheiros, o índice de gravidez na adolescência atinge 16,53%. Ele só é menor do que o registrado no distrito de Marsilac, com 18,85%, segundo o Mapa da Desigualdade, da Rede Nossa São Paulo.
A educadora aponta que, por mais que o projeto lute para baixar esse índice, novas mães continuam surgindo e existindo. O projeto do IBEAC propõe, então, que essas mães expandam a sua visão de mundo para que elas possam conquistar outros espaços.
Durante a quarentena, surgiu o projeto ‘Mães Mobilizadoras’, em que 14 mães se uniram para ajudar seis comunidades carentes da região onde moram. Elas trabalham com a técnica dos 4 Ps: pão, proteção, poesia e plantio. É válido ressaltar que, além dos 4Ps, o projeto atua em outras frentes.
“O pão representa que essas famílias não devem passar fome. A proteção ocorre com a distribuição gratuita de máscaras. A poesia são as leituras que realizamos para que as mães tenham a alma preenchida. Por fim, o plantio foi pensado na criação de hortas comunitárias para garantir a segurança alimentar da população”, conta.
Até agora, a ação distribuiu 4 mil livros, 25 mil máscaras de tecido e 97 toneladas de alimentos, beneficiando 1.300 famílias.
Além disso, por meio de parcerias com empresas, elas entregaram 1.200 cartões de alimentação ao longo de 3 meses com um valor para ajudar essas famílias.
Agora, o projeto está promovendo rodas de leitura e conversa online. Nos encontros, elas sempre trazem alguma reflexão, como, por exemplo, “que tipo de coisa você deixou de fazer por ser mulher?”.
Uma simples pergunta desencadeia diversas histórias complexas e, o mais importante, faz com que elas criem consciência por elas próprias. O IBEAC também encaminha para as mães materiais que conscientizam sobre a violência contra a mulher e, em casos mais graves, encaminha essas mulheres para a Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima próxima, o Centro de Cidadania da Mulher ou Advogados Parceiros.
“Para o futuro, queremos levar essa experiência para outras comunidades e sistematizar essa metodologia que visa o autocuidado. Queremos produzir artigos científicos e até nos tornar referência para planos nacionais”, conclui.